A reforma do Ensino Médio é necessária e já está atrasada em algumas décadas. Mas tentar enfiá-la goela abaixo da sociedade como está se tentando fazer é um movimento perigoso e gravíssimo.
Eis alguns pontos que não deveriam escapar da reflexão de todos preocupados com o tema:
1) Polêmica e Legitimidade
Uma reforma desse porte SEMPRE será POLÊMICA. Daí que não se pode esperar que um governo SEM LEGITIMIDADE conduza um processo desses. Em São Paulo por muito menos o Governo Alckmin sofreu sua maior derrota ao enfrentar movimentos estudantis com sua reorganização que fecharia algumas escolas e mudaria o perfil de tantas outras.
2) Cortina de Fumaça?
A Educação NUNCA é prioridade para os nossos governantes já que seus resultados são a longo prazo e não cabem em um ciclo eleitoral. Políticos gostam de números concretos: construí tantas escolas, matriculei tantos alunos, etc. É o máximo que fazem. Deveríamos então aplaudir Temer por querer dar uma importância inédita a essa reforma curricular do Ensino Médio, certo? Errado! Parece evidente o uso político dessa urgência toda por dois motivos: estabelecer uma agenda "positiva" para o governo sem a credibilidade das urnas e criar uma cortina de fumaça para desviar a atenção de outros pontos que envolvem direitos trabalhistas e mesmo investigações de corrupção em curso. Afinal, foi só essa bomba estourar para monopolizar os noticiários e o debate público.
3) Uma reforma dessa magnitude NÃO PODE FALHAR!
Primeiro, porque envolve bilhões em recursos e não é preciso discorrer sobre a situação econômica do país e do próprio governo. Segundo e mais importante: se falhar, teremos gerações perdidas. E uma das principais motivações dessa mudança deve ser resgatar o Ensino Público e não sepultá-lo de vez, que é o que eventualmente ocorreria se os adolescentes da atual geração passassem por essa mudança brutal para depois de adultos perceberem que foi em vão.
4) Complexidades regionais não podem ser ignoradas
Além dos aspectos políticos citados, ignorar as grandes diferenças regionais do país parece ser, como se diz popularmente, dar corda para se enforcar. Por isso, é preciso prudência. Acredito que o ideal seja criar escolas de referência para testar o novo modelo proposto e um plano de expansão para o mesmo para que haja o tempo necessário para a maturação e aperfeiçoamento dos novos conceitos.
5) Desvalorização do Professor
Outro ponto bastante negativo é a brecha para que profissionais de outras áreas mas com "notório saber" possam atuar como docentes. Há diversas implicações nisso. É como se déssemos a um curandeiro um diploma de Medicina por seu notório conhecimento em ervas medicinais. Professor tem que ter formação específica. Isso deveria ser reforçado e não relativizado.
6) O professor é CÚMPLICE do SISTEMA
Como professor, sinto-me muito triste em afirmar que, embora goste do papel de vítima, o professor é CÚMPLICE de tudo isso que está ocorrendo. De modo geral, professores não se interessam em discutir sua profissão; não são ativos em suas entidades de classe; deixam sua indignação limitada à sala dos professores. Reclamam que não são ouvidos, mas não fazem questão de se fazer ouvir. Não raro fogem de qualquer discussão pedagógica mais profunda. Não enxergam que todo esse individualismo apenas enfraquece a profissão.
7) Não subestimem os alunos
Um discurso comum é que os alunos serão mais ou menos críticos se tiverem mais ou menos aulas da disciplina X ou Y. O fato é que algumas disciplinas já tem uma carga horária ridícula, chegando a uma aula semanal de 40 minutos nos cursos noturnos. Na prática, essas disciplinas fazem pouquíssima diferença no currículo. É claro que todo conhecimento é relevante. Mas a capacidade crítica do aluno nativo digital não necessariamente precisa passar pelo filtro da sala de aula. A velha máxima "o governo não quer que as pessoas aprendam a pensar" pode até continuar verdadeira, mas o "aprender a pensar" não ocorre exclusivamente na escola, nem é exclusividade de uma única disciplina. Outro ponto discutível é o de que o jovem não está preparado para esse tipo de escolha. Outros países já adotam sistemas semelhantes sem qualquer drama. Se queremos protagonismo, é preciso oferecer oportunidades de escolha.
8) Estrutura das Escolas
Se em São Paulo que é um dos Estados mais ricos da União há escolas sem recursos, sem merenda e com prédio antiquados, podemos imaginar o que encontraremos no interior do país. Portanto, o investimento em estrutura deverá ser pesado para não reproduzirmos o que já ocorre por aqui, que são escolas integrais que oferecem o mesmo tipo de aula em dois períodos, sem nada de atrativo aos alunos.
Como afirmei no início, mudar o currículo é imprescindível. É bom lembrar que a Reforma do Ensino Médio também estava nos planos da presidente Dilma Rousseff. De fato, precisamos de uma escola que olhe para o futuro. O problema é que nosso presente está repleto de contradições que afetam a credibilidade desse processo. Discutir permanente o tema é a única forma possível de evitar traumas. Não adianta o governo querer atropelar a vontade de alunos e professores, pois esses serão os mecanismos dessa engrenagem. Ignorá-los pode levar boas ideias e intenções a um retumbante fracasso.
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