Uma das exceções que tem feito relativo sucesso é o Detonautas do vocalista Tico Santa Cruz que tem adotado um tom satírico e crítico ao governo atual com músicas com títulos como "Kit gay" e "Micheque".
A última pedra no vespeiro é a música "Roqueiro Reaça", uma crítica aos colegas de profissão que contraditoriamente abraçam posições "conservadoras" ou mesmo diante do caos ainda acham uma boa ideia usar seu escasso prestígio para defender o governo (ouça no player abaixo).
O recado parece ser endereçado a Digão dos Raimundos, com quem Tico tem batido boca constantemente, mas sabemos que tem muita gente assim por aí.
Infelizmente, o rock no Brasil sempre teve um pé no reacionarismo, nem tanto pelas bandas nacionais, mas porque por muito tempo o rock se colocou como contraponto a aspectos da cultura popular nacional, como o Carnaval, por exemplo. Sempre foi comum um roqueiro criticar o sexismo do carnaval, do axé, do funk, etc. e esquecer que banda seminais do rock como Ac/dc e Led Zeppelin sempre foram sexistas.
De certa forma, essa "rebeldia" não se limitou ao aspecto estético, mas acabou empurrando o agora envelhecido roqueiro br para uma espécie de conservadorismo amargurado.
Esta hipótese talvez explique como é que conseguem se alinhar a grupos que em um passado não tão distante lutariam para censurar seus discos favoritos. Ou será que Digão acha que o conteúdo dos primeiros discos do Raimundos seria aprovado por um comitê de pais conservadores, como os que criaram nos EUA o Parents Music Resource Center que nos anos 80 tentou banir vários artistas do rock pelo conteúdo "inapropriado" de suas canções?
O processo, que foi parar no senado americano, ouviu músicos como Dee Snider e Frank Zappa, que defenderam a liberdade de expressão. O episódio culminou com o famoso selo "Parental advisory: Explicit Lyrics" (algo como: "aviso aos pais: letras explícitias") que passou a estampar as capas de discos vendidos nos EUA.
Os próprios Ramones, influência direta para os Raimundos do "ramones raiz" Digão, gravaram a música "Censorshit" na qual abordam diretamente esse episódio (veja no player abaixo vídeo com a tradução da música).
A Tipper citada na música dos Ramones é Tipper Gore, ex-esposa do ex-vice presidente americano Al Gore, que mal comparando foi uma Damares da época, liderando esse movimento bizarro pela censura. Curiosamente, embora nos EUA a paranoia conservadora tenha descambado no "trumpismo" Republicano, Tipper era Democrata.
Essa história foi muito marcante nos EUA e por mais de uma década Tipper Gore e o Parental Music Resource Center serviram de inspiração para letras e protestos de bandas e artistas tão díspares quanto Aerosmith e Rage Against the Machine ou Dead Kennedys e Eminem.Diante do bipartidarismo norte-americano, isso talvez isso nos ajude a entender um pouco como alguns músicos e fãs de rock e metal se inclinaram recentemente ao trumpismo. Serve de alerta também para o fato de o conservadorismo ser uma força que pode se apropriar de diferentes correntes políticas, já que se pauta pelos costumes.
Nossa hipótese é que essa dinâmica binária de forças excludentes empurraram, em alguns casos talvez até de forma inconsciente, os roqueiros para o reacionarismo, fato realçado pelo ambiente político polarizado e amplificado pelas viciadas redes sociais.
Uma pena que seja assim.
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