sábado, 29 de maio de 2021

Como explicar os Roqueiros Reaças?



O pop rock nacional hoje em dia é praticamente irrelevante no mainstream, dominado por tendências que não nos dizem respeito. Mas de vez em quando uma treta ou outra dá uma animada nas coisas.

Uma das exceções que tem feito relativo sucesso é o Detonautas do vocalista Tico Santa Cruz que tem adotado um tom satírico e crítico ao governo atual com músicas com títulos como "Kit gay" e "Micheque".

A última pedra no vespeiro é a música "Roqueiro Reaça", uma crítica aos colegas de profissão que contraditoriamente abraçam posições "conservadoras" ou mesmo diante do caos ainda acham uma boa ideia usar seu escasso prestígio para defender o governo (ouça no player abaixo).

O recado parece ser endereçado a Digão dos Raimundos, com quem Tico tem batido boca constantemente, mas sabemos que tem muita gente assim por aí.


Infelizmente, o rock no Brasil sempre teve um pé no reacionarismo, nem tanto pelas bandas nacionais, mas porque por muito tempo o rock se colocou como contraponto a aspectos da cultura popular nacional, como o Carnaval, por exemplo. Sempre foi comum um roqueiro criticar o sexismo do carnaval, do axé, do funk, etc. e esquecer que banda seminais do rock como Ac/dc e Led Zeppelin sempre foram sexistas.

De certa forma, essa "rebeldia" não se limitou ao aspecto estético, mas acabou empurrando o agora envelhecido roqueiro br para uma espécie de conservadorismo amargurado. 

Esta hipótese talvez explique como é que conseguem se alinhar a grupos que em um passado não tão distante lutariam para censurar seus discos favoritos. Ou será que Digão acha que o conteúdo dos primeiros discos do Raimundos seria aprovado por um comitê de pais conservadores, como os que criaram nos EUA o Parents Music Resource Center que nos anos 80 tentou banir vários artistas do rock pelo conteúdo "inapropriado" de suas canções? 

O processo, que foi parar no senado americano, ouviu músicos como Dee Snider e Frank Zappa, que defenderam a liberdade de expressão. O episódio culminou com o famoso selo "Parental advisory: Explicit Lyrics" (algo como: "aviso aos pais: letras explícitias") que passou a estampar as capas de discos vendidos nos EUA. 

Talvez um pouquinho de conhecimento de história ou de compreensão das letras das próprias bandas ajudasse a evitar esses constrangimentos. 

Os próprios Ramones, influência direta para os Raimundos do "ramones raiz" Digão, gravaram a música "Censorshit" na qual abordam diretamente esse episódio (veja no player abaixo vídeo com a tradução da música).



A Tipper citada na música dos Ramones é Tipper Gore, ex-esposa do ex-vice presidente americano Al Gore, que mal comparando foi uma Damares da época, liderando esse movimento bizarro pela censura. Curiosamente, embora nos EUA a paranoia conservadora tenha descambado no "trumpismo" Republicano, Tipper era Democrata.  

Essa história foi muito marcante nos EUA e por mais de uma década Tipper Gore e o Parental Music Resource Center serviram de inspiração para letras e protestos de bandas e artistas tão díspares quanto Aerosmith e Rage Against the Machine ou Dead Kennedys e Eminem.

Diante do bipartidarismo norte-americano, isso talvez isso nos ajude a entender um pouco como alguns músicos e fãs de rock e metal se inclinaram recentemente ao trumpismo.  Serve de alerta também para o fato de o conservadorismo ser uma força que pode se apropriar de diferentes correntes políticas, já que se pauta pelos costumes.

Nossa hipótese é que essa dinâmica binária de forças excludentes empurraram, em alguns casos talvez até de forma inconsciente, os roqueiros para o reacionarismo, fato realçado pelo ambiente político polarizado e amplificado pelas viciadas redes sociais. 

Uma pena que seja assim.

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